Emerson Urizzi Cervi
Quero discordar de meus amigos que estão
relacionando a compra de lagostas por Roseana Sarney com o contínuo massacre
anunciado nos presídios do Maranhão. Como se diz lá no norte do Paraná, não há
nenhuma relação entre as duas coisas. Nem mesmo no que diz respeito à ausência
de bom senso da equipe de governo da Roseana. Isso acontece em todos os
governos estaduais, sem exceção. E não é em todos os Estados que facções
criminosas transformaram presídios em "terra sem lei". Acho que a melhor
comparação seria entre a compra de lagostas por Roseana e o pedido de Michele
Obama para que os convidados cheguem às recepções alimentados. Ou seja, no
Brasil os "habitués" esperam receber do Estado um tratamento classe
A, incluindo "comes e bebes" de primeira pagos com dinheiro público.
Enquanto a primeira dama norte-americana passa o recado: "quer comer bem,
pague com o seu dinheiro". Essa é a comparação que deveria ser feita, pois
os "habitués" das recepções palacianas não são os mesmos que
superpovoam os presídios. Nem aqui, nem lá. O dia que os frequentadores de
palácios brasileiros pararem que esperar tudo do Estado, inclusive lagostas,
avançaremos. Só nesse dia...
Renato Perissinotto A compra da lagosta naquelas
circunstâncias não é causa imediata de nada, mas é sim a desfaçatez das
autoridades brasileiras elevada ao paroxismo. Nesse sentido, é causa distante
(talvez nem tão distante assim) de várias outras coisas.
Emerson Urizzi Cervi sim Renato Perissinotto, é causa
distante de uma série de coisas, mas muito distante de relacionar um sistema
penitenciário em crise crônica com um item de uma lista de produtos para
compra/licitação. Com certeza está mais próximo da desfaçatez como as pessoas
que têm acesso aos palácios tratam o dinheiro público do que da desfaçatez de
como as autoridades tratam o sistema prisional.
Renato Perissinotto acho que são coisas inseparáveis: no
Brasil, a percepção de que o Estado deve atender apenas a alguns é irmã da
percepção de que preso é lixo.
Emerson Urizzi Cervi . Renato Perissinotto, concordamos
nesse ponto. Acho que nossa discordância está no foco. Parece que você
responsabiliza os gestores diretos do Estado pelas decisões, enquanto eu coloco
na conta da sociedade que cobra determinado tipo de tratamento - com dinheiro
público, sempre - para uns, diferente do tratamento dado a outros.
Renato Perissinotto então não discordamos em nada, pois é
evidente que tanto a percepção de que alguns merecem tratamento especial pelo
Estado como a percepção de que preso é lixo são amplamente partilhadas por
grande parte da sociedade. Eu só quis chamar a atenção aqui para o fato de que,
neste caso, uma lagosta e bem mais do que uma lagosta e que a desfaçatez da
governadora do Maranhão está umbilicalmente ligada à sua política
penitenciária. São duas visões de mundo inseparáveis.Por fim, um último comentário: é verdade
que não é em todos os Estados que as facções criminosas transformam presídios
em terra sem lei (será?), mas é verdade que em todos os Estados as condições
carcerárias são medievais.
Bruno Fernandes Meus caros professores Emerson e Renato,
concordo com tudo que disseram e tenho apenas uma questão: uma licitação destas
em um momento como este não é uma grande falta de sensibilidade política? Acho
que isto mostra a que o clã Sarney não precisa dar satisfações ao povo.
Emerson Urizzi Cervi Ruthinha Figueiredo acho que o problema
nem é com os que se elegem, afinal, eles disputaram e ganharam uma eleição. O
problema é com os habitués que nem isso fazem. Bruno Fernandes a sensibilidade
política é inversamente proporcional ao tempo de carreira política pelos
motivos expostos acima. E, hoje, surge nova informação: aquela penitenciária
foi concessionada e é administrada por empresa privada. Ou seja, o governo
também pode reclamar legalmente dos serviços prestados
Julian Yared Mas mestre, não poderia olhar de alguma maneira
que o dinheiro gasto em coquetéis poderia ser investido na educação? Então vem
o paradoxo que educação vem de casa. Mas os indivíduos que se desviam da sociedade
geram um filho, este filho está fadado ao mesmo "resultado" dos pais?
Pois a educação vem de casa.
Emerson Urizzi Cervi Então Julian Yared você está falando de
um paradoxo maior ainda. Se educação vem de casa, mais investimento em educação
formal/escolas teria efeito baixo ou nulo na mudança de comportamento. O fato é
que as coisas não são tão simples assim. Não podemos aceitar que todo mundo
considere normal determinados "mimos" feitos pelo Poder Público a
determinadas camadas da sociedade brasileira. Há quem, inclusive, critique
isso. Mas, infelizmente, apenas a crítica não basta. Se bastasse, nossos presídios
não seriam as masmorras que são, pois há muita crítica interna e externa ao
sistema penitenciário brasileiro.
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