sábado, 11 de janeiro de 2014

As lagostas por Roseana

Emerson Urizzi Cervi
Quero discordar de meus amigos  que estão relacionando a compra de lagostas por Roseana Sarney com o contínuo massacre anunciado nos presídios do Maranhão. Como se diz lá no norte do Paraná, não há nenhuma relação entre as duas coisas. Nem mesmo no que diz respeito à ausência de bom senso da equipe de governo da Roseana. Isso acontece em todos os governos estaduais, sem exceção. E não é em todos os Estados que facções criminosas transformaram presídios em "terra sem lei". Acho que a melhor comparação seria entre a compra de lagostas por Roseana e o pedido de Michele Obama para que os convidados cheguem às recepções alimentados. Ou seja, no Brasil os "habitués" esperam receber do Estado um tratamento classe A, incluindo "comes e bebes" de primeira pagos com dinheiro público. Enquanto a primeira dama norte-americana passa o recado: "quer comer bem, pague com o seu dinheiro". Essa é a comparação que deveria ser feita, pois os "habitués" das recepções palacianas não são os mesmos que superpovoam os presídios. Nem aqui, nem lá. O dia que os frequentadores de palácios brasileiros pararem que esperar tudo do Estado, inclusive lagostas, avançaremos. Só nesse dia...

Renato Perissinotto A compra da lagosta naquelas circunstâncias não é causa imediata de nada, mas é sim a desfaçatez das autoridades brasileiras elevada ao paroxismo. Nesse sentido, é causa distante (talvez nem tão distante assim) de várias outras coisas.

Emerson Urizzi Cervi sim Renato Perissinotto, é causa distante de uma série de coisas, mas muito distante de relacionar um sistema penitenciário em crise crônica com um item de uma lista de produtos para compra/licitação. Com certeza está mais próximo da desfaçatez como as pessoas que têm acesso aos palácios tratam o dinheiro público do que da desfaçatez de como as autoridades tratam o sistema prisional.

Renato Perissinotto acho que são coisas inseparáveis: no Brasil, a percepção de que o Estado deve atender apenas a alguns é irmã da percepção de que preso é lixo.

Emerson Urizzi Cervi . Renato Perissinotto, concordamos nesse ponto. Acho que nossa discordância está no foco. Parece que você responsabiliza os gestores diretos do Estado pelas decisões, enquanto eu coloco na conta da sociedade que cobra determinado tipo de tratamento - com dinheiro público, sempre - para uns, diferente do tratamento dado a outros.

Renato Perissinotto então não discordamos em nada, pois é evidente que tanto a percepção de que alguns merecem tratamento especial pelo Estado como a percepção de que preso é lixo são amplamente partilhadas por grande parte da sociedade. Eu só quis chamar a atenção aqui para o fato de que, neste caso, uma lagosta e bem mais do que uma lagosta e que a desfaçatez da governadora do Maranhão está umbilicalmente ligada à sua política penitenciária. São duas visões de mundo inseparáveis.Por fim, um último comentário: é verdade que não é em todos os Estados que as facções criminosas transformam presídios em terra sem lei (será?), mas é verdade que em todos os Estados as condições carcerárias são medievais.

Bruno Fernandes Meus caros professores Emerson e Renato, concordo com tudo que disseram e tenho apenas uma questão: uma licitação destas em um momento como este não é uma grande falta de sensibilidade política? Acho que isto mostra a que o clã Sarney não precisa dar satisfações ao povo.

Emerson Urizzi Cervi Ruthinha Figueiredo acho que o problema nem é com os que se elegem, afinal, eles disputaram e ganharam uma eleição. O problema é com os habitués que nem isso fazem. Bruno Fernandes a sensibilidade política é inversamente proporcional ao tempo de carreira política pelos motivos expostos acima. E, hoje, surge nova informação: aquela penitenciária foi concessionada e é administrada por empresa privada. Ou seja, o governo também pode reclamar legalmente dos serviços prestados

Julian Yared Mas mestre, não poderia olhar de alguma maneira que o dinheiro gasto em coquetéis poderia ser investido na educação? Então vem o paradoxo que educação vem de casa. Mas os indivíduos que se desviam da sociedade geram um filho, este filho está fadado ao mesmo "resultado" dos pais? Pois a educação vem de casa.


Emerson Urizzi Cervi Então Julian Yared você está falando de um paradoxo maior ainda. Se educação vem de casa, mais investimento em educação formal/escolas teria efeito baixo ou nulo na mudança de comportamento. O fato é que as coisas não são tão simples assim. Não podemos aceitar que todo mundo considere normal determinados "mimos" feitos pelo Poder Público a determinadas camadas da sociedade brasileira. Há quem, inclusive, critique isso. Mas, infelizmente, apenas a crítica não basta. Se bastasse, nossos presídios não seriam as masmorras que são, pois há muita crítica interna e externa ao sistema penitenciário brasileiro.

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