domingo, 16 de abril de 2017

Introdução à leitura de Hegel


Alexandre Kojève
560 páginas
ISBN: 978-85-85910-44-0
Tradução: Estela dos Santos Abreu
A vida e o pensamento de Alexandre Kojève confundem-se com os acontecimentos mais marcantes do século XX. Nascido em uma família da alta aristocracia russa, ainda muito jovem Kojève foi preso com seus pais no calor dos acontecimentos de outubro de 1917. Na prisão, começou a simpatizar com os revolucionários bolcheviques. Passada a tormenta, a família foi libertada e buscou exílio da Alemanha, onde o inquieto Kojève mergulhou profundamente no estudo da filosofia clássica. Deixou a Alemanha durante a ascensão do nazismo e aceitou suceder Alexandre Koyré em uma cátedra na École Pratique des Hautes Études, em Paris. Ali, de janeiro de 1933 a maio de 1939, tornou-se um dos mais importantes introdutores do pensamento de Hegel na França. Seu curso adquiriu fama insuperável. Por ele passaram Jean-Paul Sartre e Jacques Lacan, entre muitos outros intelectuais que nunca esconderam sua dívida de gratidão com o mestre. No segundo após-guerra, Kojève tornou-se conselheiro da Presidência da França e um dos mais influentes articuladores do projeto de uma Europa unificada. Morreu em 1968.

    Russo por nascimento, alemão por formação, francês por escolha, Kojève foi um intelectual brilhante, dotado de vastíssima erudição. Sempre envolvido em projetos ambiciosos, quase inacabáveis, publicou relativamente pouco. Vários de seus textos principais, geralmente muito extensos, permaneceram incompletos e tiveram edições póstumas.

    "Introdução à leitura de Hegel" recupera seus cursos da década de 1930 sobre a "Fenomenologia do Espírito", obra que foi considerada por Jürgen Habermas "o grande acontecimento da filosofia alemã". Contém textos do próprio Kojève – inclusive a famosa introdução, redigida de forma independente e que se tornou um pequeno clássico – e anotações tomadas por Raymond Queneau, revistas e aprovadas pelo professor. Doze conferências de Kojève e dois outros textos seus sobre Hegel completam o livro.

    O curso seguiu passo a passo a obra comentada, mas destacou especialmente o capítulo IV da segunda seção, consagrado à consciência-de-si. O ponto de partida para a constituição do sujeito – diz Kojève, lendo Hegel – é o desejo, mas não um desejo dirigido a uma coisa qualquer que exista no mundo. O homem se torna humano quando deseja outro desejo. Abre-se assim, ao homem, um novo espaço de liberdade, que se manifesta antes de tudo como um desejo de reconhecimento e produz uma luta de morte por puro prestígio, o ato fundante da história, o ato antropogênico por excelência.

    Mas, para que haja história, é preciso que haja relação entre homens vivos. A luta não pode terminar com a aniquilação de um dos lados. Um deles deve abdicar do combate, ou seja, colocar a vida acima da liberdade, tornando-se escravo daquele que colocou a liberdade acima da vida e prosseguiu lutando. Estabelece-se uma relação de tipo senhor-escravo. Porém, nela se desenvolve, concentrada neste segundo polo, outra atividade essencial ao projeto do homem: o trabalho.

    A descrição da dialética que assim se estabelece é um dos pontos culminantes do pensamento humano em todas as épocas, e sua conclusão é surpreendente: o homem integral, livre, satisfeito com o que é, o homem que se aperfeiçoa, não é o senhor nem o escravo, mas sim o escravo que consegue suprimir sua sujeição. A história humana aponta, pois, nessa direção. Karl Marx será o principal herdeiro intelectual dessa construção.

    A "Fenomenologia do Espírito" – ou "ciência da experiência da consciência", primeiro título escolhido por Hegel – é a descrição do caminho das experiências humanas na constituição do Espírito, e o fio que as une, nas palavras de Henrique Vaz, "é o discurso dialético que mostra a necessidade de se passar de uma estação a outra, até que o fim se alcance no desvelamento total do sentido do caminho (...)."

    Por isso, a Fenomenologia integra um sistema. Encadeia-se com a Lógica para produzir o saber absoluto, que ajusta plenamente a certeza do sujeito e a verdade do objeto. Para Hegel, só a era iniciada com Kant na filosofia e com a Revolução Francesa na política criou as condições para a construção desse saber. É este o pensamento detalhadamente analisado por Alexandre Kojève.


                        César Benjamin

Introdução a Lévi-Strauss


Frédéric Keck

392 páginas

ISBN: 9788578660819

Tradução: Vera Ribeiro



Ao longo da história, o exercício da antropologia admitiu duas abordagens bem diferentes. Exemplo da primeira foi Sir James Frazer (1845-1941), homem de vasta erudição que procurou observar o mundo em grande escala, a partir dos livros, sem ter contato direto com a vida dos povos primitivos que descreveu. Exemplo da segunda foi Bronislaw Malinowski (1884-1942), cuja obra se baseou em pesquisas que realizou pessoalmente, durante quatro anos, em uma minúscula aldeia da Melanésia.

Claude Lévi-Strauss (1908-2009) experimentou os dois caminhos. Foi um intelectual da tradição erudita de Frazer, mas não buscou construir uma obra detalhista e enciclopédica; fez trabalho de campo como Malinowski, mas não compartilhou tão extensamente a vida cotidiana dos povos que estudou.

Nomeado professor de filosofia na França em 1931, Lévi-Strauss veio para o Brasil em 1935 para ensinar sociologia na Universidade de São Paulo e pesquisar povos indígenas. Não pretendia descrever sociedades específicas, e sim compreender melhor o espírito humano. Suas observações sobre estruturas de parentesco, mitos e sistemas primitivos de classificação levaram-no a fundar a antropologia estrutural.

O que chamou de "estruturas" não são realidades empiricamente observáveis, mas construções intelectuais abstratas que pretendem tornar inteligível o real. Para ele, a cultura funciona como uma linguagem e a vida social é um sistema de signos. Assim como o indivíduo falante não é capaz de explicar os mecanismos da língua que usa, os integrantes de uma sociedade também desconhecem a natureza profunda das práticas sociais em que estão imersos.

Daí a simetria entre as duas disciplinas: a linguística procura encontrar os princípios gerais que se escondem atrás da diversidade das línguas, enquanto a antropologia estrutural busca desvelar as propriedades fundamentais que são comuns às culturas humanas. Para isso, é inútil acumular observações sobre fatos, pois elas nunca serão exaustivas. É preciso selecionar os elementos mais significativos e analisá-los extensa e cuidadosamente, construindo modelos que nos permitam compreender todos os fenômenos do mesmo tipo. O que se busca é descrever os aspectos inconscientes da existência social, tendo em vista evidenciar os elementos universais do pensamento humano e as leis gerais do nosso comportamento.

A antropologia estrutural de Lévi-Strauss renovou a antiga disciplina e interligou todas as ciências sociais, com evidentes implicações filosóficas. Teve enorme impacto no mundo inteiro. Despertou polêmicas, destacadas nesta Introdução, mas é unanimemente considerada como um monumento intelectual do século XX.


César Benjamin