Publicado em 20/11/2014 | THIAGO MELO
A administração pública brasileira possui, na prática, duas
diretrizes fundamentais: facilitar a vida de quem manda e reeleger quem está no
poder. Essas duas diretrizes moldam uma administração que coloca os interesses
particulares acima do bem comum. É notório que as ações políticas são feitas
com vistas aos ganhos eleitorais que elas podem trazer, e não ao interesse
público. O que não é muito notado é que as ações na administração pública são
realizadas com vistas a facilitar o trabalho daqueles que mandam, e não com
interesse institucional. A prorrogação súbita do mandato de diretores das
escolas estaduais paranaenses e a proposta de acabar com o limite de reeleições
escolares parecem ilustrar bem o funcionamento da administração pública
brasileira.
No último dia 4 de novembro, a Assembleia Legislativa do
Paraná prorrogou em um ano o mandato dos atuais diretores das escolas
estaduais. Essa ação possui duas arbitrariedades. Em primeiro lugar, não foi
considerada a posição da categoria (professores, pedagogos, funcionários e
diretores), representada pelo sindicato dos professores. Foi levado em conta o
pedido dos diretores que querem se perpetuar no poder das escolas. O interesse
de uns foi colocado acima do interesse da categoria como um todo. Em segundo
lugar, não foi respeitada qualquer carência para a vigência da nova regra. A
prorrogação ocorreu com o processo eleitoral das escolas em andamento e de
forma imediata, beneficiando apenas uma pequena parte de pessoas. Essas duas
situações ilustram bem o problema das arbitrariedades: os interesses
particulares são impostos em detrimento dos interesses coletivos. E é
justamente para evitar arbitrariedades que existe carência para a vigência de
novas leis e regras, e existe a democracia.
Vale lembrar que os deputados adiaram a votação sobre o fim
da reeleição da Mesa Executiva da Assembleia Legislativa. Cabe a pergunta: por
que não adiaram também a votação sobre a prorrogação dos diretores escolares,
já que o processo eleitoral das escolas estava em andamento? Além do mais, caso
fosse votado o fim da reeleição da Mesa Executiva, a nova regra só iria valer a
partir da nova gestão. Outra pergunta: por que neste caso vai ser respeitada a
carência, mas no caso dos diretores escolares a implementação foi imediata?
O deputado estadual Luiz Romanelli disse, em artigo
publicado na Gazeta do Povo, que está propondo acabar com o limite de
reeleições para diretor escolar e com a atual fórmula de apuração de votos. O
deputado justifica as duas propostas alegando que o aspecto fundamental da
democracia é o voto. Para ele, o voto de todos tem de ter o mesmo peso e o
limite de reeleição não pode impedir o voto a ninguém.
Sobre a mudança na fórmula de apuração de votos, é muito
questionável que pessoas em estágio inicial de formação intelectual e que não
vão passar muito tempo em uma escola possam decidir os rumos da instituição.
Por serem imensa maioria na escola, os alunos sempre vão ser determinantes na
votação para diretor. Assim, é muito provável que sejam eleitos os funcionários
que coloquem a vontade dos alunos acima dos interesses institucionais da
escola, como o ensino. O inspetor que sempre deixa o aluno atrasado entrar, o
professor que passa todos de ano sem cobrar o conteúdo necessário, o diretor
que não pune a indisciplina do aluno e o pedagogo que sempre defende o aluno
que não se esforça terão grandes chances de se eleger. Já aqueles funcionários que
exercem sua profissão adequadamente terão pouquíssimas chances. Esse quadro não
me parece o da escola de qualidade e democrática de que precisamos.
Quanto ao fim do limite de reeleição para diretores, basta
olhar para as escolas onde os diretores estão há mais de dez anos no cargo.
Nestas escolas, a maior parte das ações é feita para o bem do diretor. O nome
que se dá para isso é aparelhamento político. O diretor trabalha para manter as
pessoas com quem possui afinidades eletivas, e não os profissionais mais
capacitados. As decisões pedagógicas são tomadas a fim de poupar trabalho para
o diretor. Uma delas é a de procurar fazer o professor ceder em alguma medida
educacional, já que é mais fácil convencer uma pessoa adulta e educada do que
quatro ou cinco alunos indisciplinados. O simples uso de um data show passa a
ser de uso restrito da direção, que não quer que ele seja desgastado em sala de
aula. Em suma, com um diretor há muito tempo no poder a escola passa a
funcionar em função dos interesses desse diretor, que com muita facilidade, em
virtude desse aparelhamento, conseguirá ser reeleito. Nesta circunstância,
também fica fácil os governos aparelharem politicamente as escolas.
Como podemos ver, esse “impulso democrático” nas escolas
públicas pretendido pelos governantes não pode ser mais perigoso. É perigoso
porque desvia ainda mais a escola de sua função principal, que é o ensino,
perdendo a qualidade. E é perigoso também porque permite que algumas pessoas se
considerem infalíveis, ficando acima do bem e do mal. Até onde sei, a
democracia serve para inibir tal situação.
Thiago Melo é professor de Filosofia na rede estadual de
ensino.
Gazeta do Povo