Alexandre Kojève
560 páginas
ISBN: 978-85-85910-44-0
Tradução: Estela dos Santos Abreu
A vida e o pensamento de Alexandre Kojève confundem-se com
os acontecimentos mais marcantes do século XX. Nascido em uma família da alta
aristocracia russa, ainda muito jovem Kojève foi preso com seus pais no calor
dos acontecimentos de outubro de 1917. Na prisão, começou a simpatizar com os
revolucionários bolcheviques. Passada a tormenta, a família foi libertada e
buscou exílio da Alemanha, onde o inquieto Kojève mergulhou profundamente no
estudo da filosofia clássica. Deixou a Alemanha durante a ascensão do nazismo e
aceitou suceder Alexandre Koyré em uma cátedra na École Pratique des Hautes
Études, em Paris. Ali, de janeiro de 1933 a maio de 1939, tornou-se um dos mais
importantes introdutores do pensamento de Hegel na França. Seu curso adquiriu
fama insuperável. Por ele passaram Jean-Paul Sartre e Jacques Lacan, entre
muitos outros intelectuais que nunca esconderam sua dívida de gratidão com o
mestre. No segundo após-guerra, Kojève tornou-se conselheiro da Presidência da
França e um dos mais influentes articuladores do projeto de uma Europa
unificada. Morreu em 1968.
Russo por
nascimento, alemão por formação, francês por escolha, Kojève foi um intelectual
brilhante, dotado de vastíssima erudição. Sempre envolvido em projetos
ambiciosos, quase inacabáveis, publicou relativamente pouco. Vários de seus
textos principais, geralmente muito extensos, permaneceram incompletos e
tiveram edições póstumas.
"Introdução à
leitura de Hegel" recupera seus cursos da década de 1930 sobre a
"Fenomenologia do Espírito", obra que foi considerada por Jürgen
Habermas "o grande acontecimento da filosofia alemã". Contém textos
do próprio Kojève – inclusive a famosa introdução, redigida de forma independente e que se tornou um pequeno
clássico – e
anotações tomadas por Raymond Queneau, revistas
e aprovadas pelo professor. Doze conferências de
Kojève e dois outros textos seus sobre Hegel
completam o livro.
O curso seguiu
passo a passo a obra comentada, mas destacou especialmente o capítulo IV da
segunda seção, consagrado à consciência-de-si. O ponto de partida para a
constituição do sujeito – diz Kojève,
lendo Hegel – é o
desejo, mas não um desejo dirigido a uma coisa
qualquer que exista no mundo. O homem se torna humano quando deseja outro
desejo. Abre-se assim, ao homem, um novo espaço
de liberdade, que se manifesta antes de tudo como um desejo de reconhecimento e
produz uma luta de morte por puro prestígio, o ato fundante da história, o ato
antropogênico por excelência.
Mas, para que haja
história, é preciso que haja relação entre homens vivos. A luta não pode
terminar com a aniquilação de um dos lados. Um deles deve abdicar do combate,
ou seja, colocar a vida acima da liberdade, tornando-se escravo daquele que
colocou a liberdade acima da vida e prosseguiu lutando. Estabelece-se uma
relação de tipo senhor-escravo. Porém, nela se desenvolve, concentrada neste segundo
polo, outra atividade essencial ao projeto do homem: o trabalho.
A descrição da
dialética que assim se estabelece é um dos pontos culminantes do pensamento
humano em todas as épocas, e sua conclusão é surpreendente: o homem integral,
livre, satisfeito com o que é, o homem que se aperfeiçoa, não é o senhor nem o
escravo, mas sim o escravo que consegue suprimir sua sujeição. A história
humana aponta, pois, nessa direção. Karl Marx será o principal herdeiro
intelectual dessa construção.
A "Fenomenologia
do Espírito" – ou "ciência da experiência da
consciência", primeiro título escolhido por Hegel – é a descrição do
caminho das experiências humanas na constituição do Espírito, e o
fio que as une, nas palavras de Henrique Vaz, "é o
discurso dialético que mostra a necessidade de se passar de uma estação a
outra, até que o fim se alcance no desvelamento total do sentido do caminho
(...)."
Por isso, a
Fenomenologia integra um sistema. Encadeia-se com a Lógica para produzir o
saber absoluto, que ajusta plenamente a certeza do sujeito e a verdade do
objeto. Para Hegel, só a era iniciada com Kant na filosofia e com a Revolução
Francesa na política criou as condições para a construção desse saber. É este o
pensamento detalhadamente analisado por Alexandre Kojève.
César Benjamin