domingo, 28 de junho de 2015



Toda mudança, se for mudança mesmo, é um parto. E todo parto é precedido de dores atrozes. O mundo novo não nascerá sem dores ou convulsões dramáticas. A essas dores se chama revolução. É dolorosa mas necessária porque o "velhote inimigo que morreu ontem" nunca vai ceder o seu lugar sem luta.

Otto Leopoldo Winck
"Só vou avisar: não é por que apoio a diversidade sexual que fui cooptado pelo imperialismo. Pelo contrário, sei muito bem que os Estados Unidos fazem isso para tirar o foco de seus crimes na Síria, no Iraque, no Afeganistão e das provocações contra a Rússia e a China. Sei também que o mesmo imperialismo libera o casamento gay com uma mão e com a outra mão financia o Estado Islâmico a matarem gays. Mas depois de uma semana medieval com Malafaias, Felicianos, Bolsonaros e Cunhas torrando a paciência, sinto-me plenamente vingado. O Brasil não será colônia dos Estados Unidos e nem será um país feudal obscurantista. O Brasil é e será um país soberano e livre de preconceitos."


Thomas de Toledo

ACERCA DOS PARTIDOS E DOS SISTEMAS PARTIDÁRIOS


Dimas Enéas Soares Ferreira*


A crise que se instaurou no Congresso Nacional brasileiro nos últimos meses vem comprovar aquilo que muitos já vinham alertando, ou seja, o sistema partidário e eleitoral brasileiro está refletindo suas enormes distorções e imperfeições na forma de crises cíclicas que colocam, cada vez mais, a imagem do Parlamento num patamar de grande descrédito perante a opinião pública. Os partidos políticos, por sua vez, demonstram não representar os verdadeiros interesses em jogo no interior da sociedade brasileira e precisam ser reformados com urgência. Daí a pertinência de se retomar as análises feitas por importantes cientistas políticos europeus e americanos a respeito das principais abordagens sobre os partidos e os sistemas partidários.
Duverger (1967), quando expôs suas idéias, ainda na década de 1950, abriu uma nova perspectiva na discussão a respeito dos sistemas partidários e eleitorais, bem como do nascimento, consolidação e queda dos partidos políticos. Contudo, hoje, após tantas mudanças no cenário político-partidário e nos resultados do jogo eleitoral dos países ocidentais desenvolvidos, suas idéias já se encontram relativamente superadas, ainda que tenham tido grande importância para a ciência política, pois foi o fundador da linha de pensamento político que centra a atenção nas regras de funcionamento dos sistemas partidários e eleitorais como principal elemento definidor dos resultados político-institucionais, principalmente quando se trata da disputa eleitoral.
Sartori (1976), também segue na mesma linha, remontando sua análise a respeito dos sistemas partidários à história das idéias e à semântica.[i] Ele descreve como a palavra “partido” se firmou historicamente e toda a dificuldade em torno dessa afirmação que, na realidade, faz parte da evolução democrática das sociedades liberais do Ocidente. Primeiramente, ele procura diferenciar facção de partido, mostrando como os interesses específicos das facções se contrapõem ao bem comum que, em tese, é o objetivo final dos partidos. Como Voltaire escreveu “un parti séditieux dans un état”.[ii]
Grandes pensadores políticos, como Maquiavel, Locke e Rousseau, sempre centraram sua discussão no conflito entre os interesses específicos e o bem comum, despreocupando-se com as regras do jogo político. Para Locke, os indivíduos eram aqueles “homens livres”, logo, uma minoria da população. Eram pessoas com interesses comuns, daí as classes sociais, ou seja, eram grupos de pessoas com interesses em comum e que divergiam entre si. Já para Rousseau, a sociedade deveria ser homogênea, sem esses conflitos de interesses, que deveriam ser resolvidos através de uma democracia direta, impossível numa sociedade de massas.

A facção busca interesses específicos, ainda que isso leve à cisão e a ruptura da ordem institucional, já o partido busca sempre o bem comum buscando a unidade e preservação das instituições políticas, seja ele qual for.[iii] De Maquiavel até a independência dos EUA, os partidos sempre foram mal vistos. A própria constituição americana de 1787 não previa a existência de partidos, tratava apenas da instituição dos poderes do Estado – Executivo, Legislativo e Judiciário. Um dos axiomas do pensamento liberal americano é que o bem comum é o equilíbrio dos interesses específicos, e o que ele deve impedir é que um interesse tiranize o outro. Assim, havia o receio de que o voto da maioria da população mais pobre pudesse impedir a satisfação dos interesses dos mais ricos e poderosos, por isso, não acreditavam em partidos.

A primeira definição de partido entende que se trata de um grupo de homens vinculados a um princípio comum e voltados para a satisfação do bem comum. Assim, teoricamente o partido constitui-se de homens que se unem para a promoção, pelo seu esforço conjunto, do interesse nacional com base em algum princípio com o qual concordam. Esses homens devem governar para todos e não apenas para aqueles que o elegeram.[iv]

Os partidos, ainda que tenham surgido a contragosto do Estado e dos governos, surgiram principalmente por necessidade, já que algumas funções que deveriam ser cumpridas e exercidas dentro de uma ordem institucional estatal só poderiam ser cumpridas por eles, transformando-os, portanto, em instituições políticas com a função de “expressão”, ou seja, deveriam servir de canal dialógico do povo em direção ao governo. Dessa forma, os partidos transformaram as demandas do povo em atitudes junto ao governo. Trata-se de um canal de baixo para cima (povo ® governo), ainda que, em geral, os partidos surjam, de cima para baixo. Então, a partir do século XIX, os partidos começaram a surgir nas democracias ocidentais, principalmente exercendo essas funções dialógicas.

Já Downs (1999), acredita que não há bem comum e que o sistema político visa apenas o poder e seus benefícios, logo, a função do partido não é expressar as demandas da sociedade, mas apenas ser um instrumento para se conquistar o poder. Aldrich (1995), também procura explicar o surgimento dos partidos, em especial nos EUA. Ele crê que os partidos nasceram com outras funções como a ocupação dos cargos públicos, a mobilização do eleitor e a atuação dentro do governo.

Os partidos podem ter duas origens, quais sejam: aqueles que surgiram dentro dos parlamentos, por meio de grupos que já existiam muito antes dos próprios partidos, chamados de partidos de elite, e aqueles extra-Parlamento ou partidos de massa, ou seja, são aqueles formados a partir da convergência de grupos sociais em defesa de interesses coletivos. Já os partidos de elite, nada mais são do que grupos de parlamentares que tinham comitês eleitorais que funcionavam apenas em épocas de eleição. Ambos podem ser considerados como partidos políticos modernos podendo ser descritos, sem grande exagero, como filhos da Primeira e da Segunda Revolução Industrial, respectivamente (DUVERGER, 1967).

Já Sartori (1976), diz que na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX, o sistema partidário seguiu um modelo ininterrupto e linear convivendo desde cedo com um governo responsável representado pela monarquia constitucional e com os grupos parlamentares que, aos poucos, constituíram-se enquanto partidos no Parlamento. Assim, o monarca tinha que, permanentemente, prestar contas ao parlamento sobre seu governo. Nessas condições surgiram os partidos, isto é, numa ilha isolada do restante do continente europeu, sob a revolução industrial e com uma sociedade homogênea. Em 1832, com a reforma eleitoral inglesa, começou a ocorrer alterações no sistema político. Com a expansão do direito ao voto, os grupos parlamentares passaram, então, a buscar votos e foram se tornando partidos eleitorais ou grupos parlamentares com comitês eleitorais.

O certo é que a expansão dos partidos foi contínua e os mesmos foram se fortalecendo com a continuidade das eleições. O governo, a partir de então, tornou-se um governo sensível, principalmente porque o voto passou a pressupor atitudes práticas no sentido de atender às reivindicações sociais. Daí, a função de expressão dos partidos às demandas reivindicatórias da população. Dessa forma, os partidos podem ser entendidos como canais de expressão da sociedade junto ao governo.

Pode-se também dizer que os partidos políticos pertencem, em primeiro lugar e, principalmente, aos meios de representação, sendo um instrumento ou uma agência de representação do povo, expressando suas demandas e/ou reivindicações. O governo, por sua vez, torna-se partidário, pois é o partido que passa a governar. Assim, esse processo de consolidação tornou os partidos em partidos de massa, sendo que a queda das barreiras eleitorais[v] levou ao surgimento de partidos de cunho trabalhista, comunista, socialista etc.

A questão chave para se definir um partido político está nas suas origens. Sendo assim, existem partidos que surgiram no Parlamento, chamados de partidos de elite. São descentralizados e seus parlamentares possuem grande autonomia diante do partido, sendo cada um dono de um comitê eleitoral próprio. Há também aqueles partidos extra-Parlamento, classificados como partidos de massa. Estes possuem objetivos maiores do que simplesmente alcançar o poder, pois pretendem transformar toda a estrutura social (DUVERGER, 1967) como, por exemplo, o Partido Socialista Francês que objetivava não só levar a classe trabalhadora ao poder, mas também criar uma sociedade socialista. Nesse sentido, o Parlamento era apenas a via para a revolução. Trata-se de partidos que possuem uma estrutura permanente, funcionando não só em períodos de eleição, o que lhes força a ter, portanto, sua própria burocracia. Processo que vai de encontro ao racionalismo weberiano e à sua teoria da gaiola de ferro.

No contexto europeu, onde a sociedade era extremamente estratificada, hierarquizada e os trabalhadores demoraram muito a serem integrados na sociedade e no sistema político, nasceram vários partidos de massa. Diferentemente dos EUA, onde o processo de inserção das massas trabalhadoras se deu mais rapidamente, daí não existirem por lá partidos socialistas ou de massa.[vi] A definição de um partido pode ser dada pela sua origem, como partido burguês ou partido operário. Pode se dar também pelos seus fins e objetivos, como partido socialista ou partido liberal. Mas, a melhor definição é aquela, centrada na forma de se angariar os votos e ganhar eleições, o que distingue um partido político de um sindicato ou de uma associação, ou seja, ele se caracteriza principalmente pelo fato de existir, prioritariamente, para ganhar eleições.[vii]
Então, o que é mais importante? A origem do partido, como defende Sartori (1976), ou o ciclo eleitoral, como defende Downs (1999)? Pode-se dizer que, independente da origem do partido, dentro do ciclo eleitoral o que interessa é o voto, tanto para partidos de elite como para os partidos de massa. Para os pensadores políticos americanos, os partidos de massa tendem a se aproximar dos partidos de elite dentro da competição eleitoral e não o contrário. Em contrapartida, os partidos de elite perceberam que deveriam se organizar como os partidos de massa para poder competir pelos votos dos eleitores, com maior eficiência.  Enfim, existem diversas abordagens ou “approachs” para explicar o desenvolvimento, a evolução e a consolidação dos partidos políticos, sendo que as mais conhecidas são a institucional, a sociológica e a da escolha racional.

A abordagem institucional defende que, após a queda do Antigo Regime, após a Revolução Industrial e após a emancipação das colônias européias na América, apareceram no cenário político europeu os partidos políticos modernos. Mas, que partidos surgiram? Eram quantos partidos? E quais eram as regras do jogo político-institucional? Para responder a esses questionamentos é preciso entender que as regras institucionalizadas tiveram enorme influência sobre a formação dos partidos, como o voto obrigatório ou facultativo, ou se havia ou não fidelidade partidária. Logo, as regras institucionais geram comportamentos partidários e eleitorais diferenciados. O partido, como ator político, joga de acordo com as regras, o que significa que as disputas em torno destas regras são, muitas vezes, mais importantes que as próprias eleições. Se o partido ganha a batalha pelas regras, ele deverá, então, ganhar a disputa eleitoral.

Há uma variável muito importante na definição dos sistemas partidários, qual seja: o sistema eleitoral, que é uma variável independente dentro do processo político, enquanto o sistema partidário, ao contrário, é uma variável dependente. Por exemplo, os sistemas eleitorais distritais e majoritários que se diferenciam dos sistemas proporcionais. Como conseqüência dessa distinção entre os dois sistemas é possível identificar que, se a função do sistema eleitoral é transformar os votos em cadeiras parlamentares, no sistema distrital, que vigora no mundo anglo-saxão, divide-se o país em pequenos distritos e se estabelece que os eleitores destes distritos só podem votar em candidatos do seu próprio distrito.[viii] Já no caso de eleições proporcionais para o Parlamento, define-se, previamente, o número de parlamentares que serão eleitos por um distrito bem mais amplo geograficamente, ficando o eleitor livre para dar seu voto a qualquer um candidato (DUVERGER, 1967). O sistema distrital também favorece a formação de maioria por um partido no Parlamento, ainda que, muitas vezes, ele pode não produzir essa maioria, como já ocorreu na Inglaterra várias vezes, por exemplo.
A regra do voto distrital para eleições majoritárias pode se diferenciar em subtipos, como o distrital puro, quando se tem o mesmo número de eleitos pelos vários distritos, sendo que o eleito é o mais votado, mesmo não alcançando a maioria dos votos. No modelo de voto distrital de maioria simples, o mais votado, com a maioria simples dos votos, é o eleito. E, por fim, no distrital de maioria absoluta ocorre um segundo turno com os dois candidatos mais votados.

No sistema proporcional, se divide o país em distritos e os eleitores votam em quem quiserem dentro dos seus respectivos distritos, sendo que as cadeiras do parlamento são divididas proporcionalmente ao número de eleitores de cada distrito e ao número de votos de cada partido. Dependendo do sistema eleitoral, vota-se em partidos (lista fechada) ou em candidatos (lista aberta).

Duverger (1967), em sua primeira lei sobre os sistemas partidários, a “Lei de Bronze da Política”, parte da premissa de que a tendência natural da sociedade é o dualismo, o que conduz ao bipartidarismo. Para ele, o sistema de maioria simples leva a um sistema de dois partidos. Isso porque vai se ter sempre uma situação e uma oposição, sendo que a tentativa de se criar um terceiro partido é muito difícil, como, por exemplo, os trabalhistas e os conservadores na Inglaterra, e os democratas e republicanos nos EUA. Esse sistema tem dois efeitos sobre os partidos menores, quais sejam: primeiramente, mesmo que os partidos pequenos tenham votos em todos os distritos, dificilmente ganham a eleição em algum distrito, logo, o sistema funciona como uma barreira a estes partidos. Em segundo lugar, tem o efeito psicológico sobre o eleitor que tende a votar sempre em partidos que tenham a expectativa de vencer as eleições, é o “voto útil”, daí então o bipartidarismo.

Na sua Segunda Lei sobre os sistemas partidários, Duverger (1967) defende que onde se adota a representação proporcional tende-se ao multipartidarismo. Isso porque as cadeiras no parlamento são distribuídas entre todos os partidos proporcionalmente ao número de votos de cada um. Os eleitores dos partidos pequenos, então, têm a perspectiva do crescimento da representatividade do partido[ix]. Entretanto, essas teses de Duverger, foram questionadas, já que existem outros aspectos do arranjo institucional que influenciam no sistema partidário. De qualquer maneira, fica claro que o sistema de voto distrital favorece a formação de um sistema bipartidário e, por outro lado, o sistema proporcional favorece a formação de um sistema multipartidário.

A segunda abordagem a respeito dos partidos políticos é a sociológica. Segundo Lipset & Rokkan (1967), que fazem essa sociológica da origem do sistema político-partidário, com base no modelo europeu, partem do ponto de vista de que essa discussão deve se dar a partir do contexto social, isto é, deve passar pelas instituições e se encerrar nos principais atores do processo, quais sejam: os partidos políticos. Já Aldrich (1995), considera que a origem do sistema político-partidário se dá a partir dos atores, passando então pelas instituições e se encerrando no contexto social. Na verdade é só uma questão de pontos de partida diferenciados para a mesma abordagem.

Lipset & Rokkan (1967), buscam entender o sistema partidário europeu e sua força. Para eles, os partidos são fortes porque estão extremamente enraizados na sociedade. Trata-se de um sistema partidário ancorado nas clivagens sociais, por isso, são duradouros e sólidos. Logo, acreditam que a origem dos partidos está nas diversas clivagens presentes na sociedade européia, como o conflito capital-trabalho ou a questão nacionalista e religiosa, por exemplo. Em alguns países da Europa o sistema partidário é praticamente o mesmo de 1890 a 1980, sobrevivendo inclusive aos períodos da Primeira e Segunda Guerra Mundiais. Já a partir dos anos de 1990 esse sistema partidário europeu entrou em crise e tem se alterado, cada vez mais, perdendo seus componentes ideológicos, principalmente porque têm adotado políticas totalmente diversas daquelas que defendiam nas suas origens. Um exemplo desse fenômeno é o Labor Party que, inicialmente era ardoroso defensor do Welfare State social-democrata e, hoje, adota políticas, cada vez mais liberais.

Essas alterações têm mostrado que o que antes era caro aos partidos europeus, ou seja, suas concepções ideológicas e seus projetos, atualmente tornou-se passível de ser negociado. Antes da crise do modelo social-democrata, as clivagens que envolviam interesses eram mais facilmente barganhadas. Um bom exemplo dessa negociação de interesses é o que envolve os salários. Já as clivagens em torno da ideologia e dos valores eram mais rígidas e difíceis de se negociar, como, por exemplo, as concepções políticas, a religião, a língua etc.

Outro tipo de interesse que define as clivagens da sociedade européia é o nacionalismo, que surgiu na Europa a partir do momento em que as elites nacionais não conseguiram mais impor seus interesses e valores. Ele submeteu os interesses ainda herdados da estrutura feudal e da Igreja. Num primeiro momento, entre os séculos XVI e XVII, houve a formação dos Estados nacionais. Já, num segundo momento, que se deu entre os séculos XVIII e XIX, ocorreram as revoluções liberais. Dessa revolução nacional, onde se deu o processo de afirmação dos Estados, originaram-se duas clivagens sociais: centro/periferia, como as elites canadenses versus as elites quebequianas ou, como as elites nacionais espanholas versus os bascos e, ainda, Estado/Igreja, através da disputa pelo monopólio da educação.

A revolução industrial deu origem a duas outras clivagens, quais sejam: (i) campo/cidade, como a disputa sobre as taxas de produtos agrícolas e subsídios entre donos de terras, camponeses, burguesia e operariado. Trata-se, portanto, de uma clivagem do tipo territorial e; (ii) capital/ trabalho, onde se opõem empresários e trabalhadores. Trata-se, neste caso, de uma clivagem do tipo funcional.

A clivagem capital/trabalho se manifestou em todos os estados europeus, visto que todos eles possuem partidos socialistas e/ou trabalhistas. Os EUA, por sua vez, não tiveram essa clivagem na constituição de seu sistema partidário e essa ausência da clivagem capital/trabalho se explica porque a sociedade americana era aberta, com grandes possibilidades de mobilidade social ascendente por meio de grandes oportunidades de emprego, negócios e terras. O cenário europeu é bem diferente, pois sua sociedade era mais fechada, pela própria herança feudal marcada pela presença da nobreza e pela importância dada aos títulos nobiliárquicos. Lipset & Rokkan (1967), buscam as origens sociológicas para explicar os sistemas partidários europeus no século XVIII. Já as clivagens centro/periferia, Estado/Igreja e campo/cidade não se manifestaram em todos os estados europeus.[x]

Para que os partidos se originassem foi necessário que a sociedade superasse quatro grandes barreiras, quais sejam: (i) a legitimação do protesto que envolve o limite de aceitação da elite aos protestos e à oposição política;[xi] (ii) a incorporação do protesto, isto é, quem pode protestar e até que ponto a elite incorpora o protesto? Como, por exemplo, o direito de voto que, primeiramente, era só para os homens, tornando-se, posteriormente, universal; (iii) a representação política dos que protestam, ou seja, entre aqueles que protestam, quem pode ter representatividade política partidária e parlamentar? Nesse sentido, o voto majoritário, o voto proporcional e as cláusulas de barreira são instrumentos que regulam o direito à representatividade política; e (iv) o sistema de governo, que define quais os limites dos poderes da maioria. Assim, os partidos políticos surgiram das clivagens sociais, mas precisaram superar essas barreiras institucionais que lhes foram impostas. Por isso, os sistemas partidários europeus não são iguais, tanto por refletir clivagens sociais diferenciadas, como também pelo nível de dificuldade de superar as barreiras. Como na França, onde o voto era, no começo do século XX, distrital com dois turnos, dificultando a vitória do Partido Socialista ou, na Inglaterra, onde o sistema era distrital de maioria simples e também dificultava a ascensão do Labor Party que tinha que disputar eleições com liberais e conservadores. A possibilidade que o Labor Party encontrou para crescer foi, então, aproveitando-se do conflito entre liberais e conservadores. Já na Bélgica, os partidos de elite estão ligados a clivagens religiosas e o conflito entre eles era tão feroz que possibilitou a ascensão do Partido Socialista. Assim, o sistema eleitoral não é uma barreira impossível de ser superada, mas sim os obstáculos de cunho social e institucional.

Se Duverger (1967) entende que o sistema eleitoral também contribui para o surgimento dos partidos, Lipset & Rokkan (1967) afirmam que os partidos se originam antes do estabelecimento do sistema eleitoral. Então, que razões realmente explicam o surgimento dos partidos?  Primeiramente, podemos dizer que o surgimento dos partidos políticos depende da capacidade ou não dos atores políticos (elite, trabalhadores, camponeses etc) de assimilarem o processo político, bem como das grandes clivagens sociais que se manifestaram de maneiras diferentes em cada um dos estados europeus, como centro/periferia, Estado/Igreja e campo/cidade, transformarem-se em instituições político-partidárias.

A clivagem capital/trabalho se fez presente em todos os estados europeus. Portanto, não se pode distinguir os sistemas partidários europeus por essa clivagem, pois ela é unificadora. Pode-se sim, distinguí-los a partir das três outras clivagens. A clivagem capital/trabalho pode, apenas, distinguir os padrões e as características dos partidos socialistas e trabalhistas europeus, ou seja, se são mais moderados ou mais radicais e, se são mais coesos ou não. É uma clivagem que se manifesta desde a Revolução Industrial em princípios do século XIX.[xii] Os governos perceberam que o custo de reprimir os movimentos trabalhistas poderia ser a revolução, como aconteceu com a França (1870), com a Alemanha (1912) e com a Rússia (1917), já o custo de tolerá-los era menor, ou seja, gerava, no máximo, o nascimento de partidos trabalhistas inseridos no sistema político-partidário. Nos EUA, ao contrário, as clivagens não se manifestaram ou se expressaram no seu sistema partidário.[xiii]

Outra conclusão de Lipset & Rokkan (1967), é que o sistema partidário europeu esteve, durante muito tempo, congelado. Isso se deu por causa da força das clivagens, gerando um sistema partidário estável com partidos que conseguiram superar as revoluções, as guerras e as crises. Eles sobreviveram às inúmeras barreiras institucionais e conjunturais porque tinham lastro social. Mas a partir da década de 1970, iniciou-se um processo de degelo do sistema partidário europeu com uma enorme migração de eleitores de um espectro ideológico para outro.

Por fim, a terceira e última abordagem a respeito dos partidos políticos é a da escolha racional. Segundo Downs (1999), a análise dos sistemas partidários deve partir de um modelo que não seja uma simples descrição do mundo real. Isso, porque ele parte da premissa de que todo homem é primordialmente egoísta, assim sendo, acredita que na política se deve usar a lógica econômica do comportamento racional, através, primeiramente, da análise dos fins, isto é, o objetivo maior é ganhar eleições, em seguida, da análise dos meios para se alcançar os fins, qual seja, os partidos políticos e, finalmente, a análise da racionalização dos meios para se alcançar os fins.

Para se entender a realidade deve-se simplificá-la, logo, a teoria da escolha racional tem grande utilidade, pois busca explicar a realidade pressupondo que os interesses pessoais se sobrepõem aos interesses coletivos. Esse comportamento racional exige informações para que se possa escolher o melhor dos meios para se alcançar os fins. A racionalidade, portanto, depende dos objetivos finais.

A partir dessa abordagem da escolha racional pode-se definir um partido político como uma coalizão de homens que busca controlar o governo através das eleições, e esse controle da máquina pública governamental é importante porque permite ao partido ter acesso à renda, prestígio e poder. Os partidos, assim, formulam políticas para chegar ao poder, fazendo da política um meio e do poder, o fim. Logo, o partido não busca o poder para formular e implementar uma política, pois, nesse caso, o poder seria o meio, e a política, os fins. Assim sendo, pode-se deduzir que os cargos públicos são, numa sociedade capitalista, subproduto dos interesses privados. Enfim, os partidos buscam os votos e, para isso, precisam formular políticas. Políticas essas, que não são para atender demandas sociais, mas para se conseguir votos e, se para conseguir votos, as políticas devem procurar atender algumas demandas específicas da sociedade, então os partidos podem adotá-las, mas apenas como meio de se ganhar eleições (DOWNS, 1999).

Nessa abordagem da escolha racional não há uma preocupação com o fato de os partidos serem um reflexo das clivagens sociais, porque se acredita que os mesmos estão mais interessados em, através dos votos, ganhar eleições e chegar ao poder para obter renda, prestígio e poder. Logo, define-se o partido a partir do seu objetivo, isto porque, se entende que o eleitor não votaria sob o ponto de vista de que seu voto tem um valor infinitesimal, mas que o voto depende, fundamentalmente, do custo e do benefício que irá produzir para o eleitor.

Aldrich (1995), articula de maneira mais clara os três fatores que explicam os sistemas partidários, quais sejam: atores sociais, instituições e o contexto político-econômico. Ele busca definir os partidos políticos a partir dos meios, defendendo que os mesmos criaram-se dentro da democracia e que ela só existe com os partidos. Outros estudiosos do tema entendem que a democracia é impraticável sem os partidos e defendem que todas as democracias existentes em repúblicas liberais contemporâneas e em nações democráticas possuem partidos políticos. Para todos eles, para ser uma democracia verdadeira é preciso que qualquer líder de nação concilie os interesses públicos com as suas aspirações políticas e isso, só é possível através dos partidos políticos, ao menos em geral.

Os líderes eleitos, por receberem o poder político do povo, devem primeiro prestar contas ao povo, sendo, portanto, responsivos e accountables. Cada político eleito deve ser responsável por suas ações pessoais perante aqueles que o elegeram e/ou reelegeram, mas as ações políticas do seu governo acabam sendo determinadas pelas ações coletivas de muitos indivíduos que ocupam os cargos públicos. Dessa forma, nenhum político deve tomar decisões só pelas casas parlamentares, [xiv] mas pelas decisões coletivas de suas bases (DOWNS, 1999). Logo, o único caminho existente para assumir responsabilidades públicas é através dos partidos políticos, e essa responsabilidade exige que sejam partidos políticos coesos. Da mesma forma que, a única forma de se competir nas eleições é através da responsabilidade.

Nos EUA, muitos acadêmicos, analistas, políticos e membros do governo, põem a culpa das doenças políticas contemporâneas nos governos aparentemente incapazes de resolver problemas críticos e à falta de fé, apatia e/ou alienação dos próprios políticos, que talvez seja a maior falha dos dois maiores partidos americanos. Percebe-se que os membros do Congresso estão muito mais preocupados com sua própria reeleição ainda que, às vezes, também pensem no bem público. O presidente, por sua vez, se preocupa com sua própria popularidade, gastando pouco tempo para liderar a nação e quando ele o faz, o Congresso acha impossível convencer a maioria da necessidade de se votar os projetos do Executivo (ALDRICH, 1995).

Os partidos majoritários – Republicano e Democrata –, então, passaram a aprovar suas próprias iniciativas ou formaram compromissos de trabalho com o Congresso. Partidos divididos e sob o controle do governo são regra, nos EUA, desde 1952 ou, pelo menos, desde 1968, com controle unificado das eleições, onde os candidatos são centralizados, transformando e manipulando politicamente, personalidades e imagens, especialmente por meio do uso intenso do marketing. Por outro lado, as plataformas partidárias são pouco discutidas nas convenções, para que sejam aprovadas rapidamente e os líderes partidários esperam, sem controvérsias, a atenção da mídia, desejando que a convenção possa se direcionar apenas aos negócios mais importantes. A última censura a esses partidos resultou no enfraquecimento do maior partido americano, qual seja, o Republicano que, somente no final dos anos 1990 retornou ao poder com a eleição do presidente Bush, vindo logo após a perder novamente para os democratas que elegeram Bill Clinton. Estes, só deixaram a Casa Branca e perderam a maioria no Capitólio[xv] porque os republicanos lançaram mão de uma manobra eleitoral marcada por fraudes na contabilização dos votos, manipulação da mídia televisiva, divulgando nas vésperas do pleito resultados falsos de pesquisas eleitorais, em especial, através da FOX-NEWS[xvi] e o uso do Poder Judiciário como forma de cercear o direito ao voto, principalmente da enorme população de negros e latinos da Flórida. O resultado disso tudo foi o descrédito à democracia norte-americana perante a opinião pública mundial, colocando seu sistema político sob suspeição de ser realmente capaz de absorver e refletir as grandes demandas da sociedade.

NOTAS

[i] Partire ou “partido”, termo que prestou-se a um uso mais impreciso e obscuro. “Partido” transmite, basicamente, a idéia de parte, e parte não é, em si, uma palavra depreciativa (SARTORI, 1976).
[ii] “Um partido sedioso num Estado”.
[iii] Claro que aqui estamos falando de partidos políticos que aceitam as regras do jogo político-institucional e disputando esse jogo segundo essas regras. Existem, contudo, partidos que defendem a revolução como forma de alcançar o poder e, por isso, não participam do jogo político que acreditam possuir regras que favorecem àqueles grupos ligados às elites políticas e econômicas, por isso, defendem a ruptura da ordem político-institucional vigente.
[iv] Nesse sentido, o ex-Presidente Collor governou só para uma facção ou grupo de interesses (privados), o mesmo se deu com o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso que, entretanto, soube articular uma coalizão de partidos que lhe serviu, por dois mandatos, como base de sustentação parlamentar, o que Collor não soube fazer. Já o Presidente Lula, apesar de buscar governar para todos, tem enfrentado sérias crises relacionadas à dificuldade de setores de seu próprio partido (PT) que não aceitam que seu governo adote uma política diferente daquela pregada pelo partido ao longo de mais de 20 anos e, também, de não conseguir implementar uma verdadeira coalizão partidária que lhe dê a sustentação necessária dentro do Parlamento.
[v] Barreiras do tipo econômicas (voto censitário), hereditárias (parte das cadeiras no Parlamento destinadas à nobreza sem necessidade de eleição, passando-se a vaga hereditariamente para o seu herdeiro ou sucessor, como perdurou na Inglaterra até meados dos anos 1990) e de gênero (exclusão das mulheres).
[vi] O Partido Comunista dos EUA é um dos maiores do mundo, contudo, não tem força eleitoral suficiente para conquistar cadeiras no Parlamento, ficando restrito à participação em alguns setores sociais ligados ao proletariado.
[vii] Pode-se dizer que os mais de trinta partidos políticos brasileiros existem, prioritariamente, para isso, inclusive os de massa como o PT e o PC do B.
[viii] No caso do Brasil, os estados são os distritos eleitorais.
[ix] O Partido dos Trabalhadores (PT), no Brasil, evoluiu de 16 para 35 cadeiras, entre sua primeira e sua segunda participação nas eleições proporcionais para o Congresso Nacional, depois para 50 cadeiras em sua terceira participação, 60 na quarta e, finalmente, hoje, possui 90 cadeiras.
[x] Os partidos de elite também passam pela estrutura social, mas nascem da própria elite. Por isso, o que mais interessa nessa análise a respeito da origem dos partidos, são aqueles considerados de massa.
xi O grau de legitimação do protesto era bem maior, por exemplo, diante do rei inglês do que diante do Czar russo.

[xii] Como o Movimento Cartista em 1830, na Inglaterra.
[xiii] No caso brasileiro, talvez somente o Partido Comunista Brasileiro e o Partido dos Trabalhadores sejam fruto de uma clivagem social, isto é, capital/trabalho.
[xiv] O Parlamento pode ser bicameral, como no Brasil e nos EUA, ou pode ser unicameral como na Espanha.
[xv] Denominação dada ao Parlamento ou Congresso Norte-americano.
[xvi] Canal de TV norte-americano que tem como Diretor responsável pelo jornalismo político um primo do presidente George W. Bush (MOORE, 2002).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALDRICH, John H.. Why Parties? The origin and transformation of political parties in America. University of Chicago Press. 1995.
DOWNS, Anthony. Uma Teoria Econômica da Democracia.Edusp. 1999.
DUVERGER, Maurice. Os Partidos Políticos. Ed. Guanabara. 1967.
LIPSET, Seymour and ROKKAN, Stein. Clivage Structure, Party Systems, and Voter Alignments, in Lipset and Rokkan (org.), Party Sistem and Voter Alignment. The Free Press. 1967.
MOORE, Michael. September Eleven – Farenheit. Filme documentário. 2002.
SARTORI, Giovanni. Partidos e Sistemas Partidários. UNB. 1976.
WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo, Cultrix. 1972.
__________. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo, Editora Martin Claret. 2003.
  
RESUMO: A origem, consolidação e queda dos partidos políticos é analisada a partir de três grandes abordagens: a institucional, a sociológica e a da escolha racional. Através destas três linhas analíticas a respeito dos partidos, como instituições políticas fundamentais à democracia moderna, é possível identificar os elementos que constituem a formação dos grandes partidos de massa, bem como os fatores que explicam suas crises identitárias e, conseqüente seu enfraquecimento dentro da arena política e eleitoral.

ABSTRACT: The origin, consolidation and fall of the political parties is analyzed starting from three great abordages: the institutional, the sociological and the one of the rational choice. Through these three analytic lines regarding the parties, as fundamental political institutions to the modern democracy, is possible to identify the elements that constitute the formation of the great mass parties, as well as the factors that explain its identity crises and, consequent weakening inside of the political and electoral arena.

PALAVRAS-CHAVE: Partidos políticos, eleições, sistemas partidários, política, instituições políticas.


Na crise terminal em que se encontra a Grécia, a Alemanha age como guardiã dos interesses dos banqueiros e empurra o país grego para o abismo.
Habermas lembra num artigo no El País desse domingo que "a Alemanha deve o impulso inicial para sua decolagem econômica, do qual ainda se alimenta hoje, à generosidade dos países credores que no Tratado de Londres, de 1954, perdoaram mais ou menos a metade de suas dívidas".

Os alemães esqueceram a lição da história em que foram beneficiados. Impossível se recuperar de uma crise brutal sem o mínimo de generosidade.

Cesar Sanson

sábado, 27 de junho de 2015

D'us

Otto Leopoldo Winck.Hoje não tenho tanta certeza se Deus existe. (E mesmo esta questão não é tão simples assim. Que Deus? Um Deus pessoal, tripessoal, distinto do mundo, igual ao mundo?). Mas sei o seguinte: se Deus existe, ele é amor. Portanto nenhuma intolerância ou ódio podem ser pregados em seu nome.

Chico Lopes Eu sou agnóstico: acho que Ele existe, mas não tá nem aí. Minha crença mística é na Mãe. A religião sempre me atraiu mais pelos símbolos femininos (as muitas imagens de Maria) do que pelos masculinos. O Deus do Velho Testamento é um pai furioso, vingativo e injusto. O do Novo é doce, procura se parecer aos homens (e seu calvário é este). O apóstolo João disse isso literalmente: "Deus é amor". Mas o Deus do Velho é o que reina no Brasil, atualmente. Essa gente só destila ódio.

Otto Leopoldo Winck É verdade, Chico. A masculinização da imagem de Deus é um dos problemas. E mesmo assim, Chico, não há só uma imagem de Deus no Antigo Testamento. Existe o Deus do Pentateuco, severo, rigorista, e o Deus dos profetas, sobretudo o de Isaías, que se aproxima do Deus do Novo testamento: "Porventura pode uma mulher esquecer-se tanto de seu filho que cria, que não se compadeça dele, do filho do seu ventre? Mas ainda que esta se esquecesse dele, contudo eu não me esquecerei de ti." Isaías 49:15. Veja aí como Deus é comparado aí a uma mãe!

Alcebíades Cid Pereira Prometeu acorrentado por amor ao homem..Deuses vingativos.
Jesus resumiu os dez mandamentos em dois:Amar a Deus sobre todas as coisas e a teu próximo como a ti mesmo...Os religiosos o crucificaram por isso.

João Vitor Deus é bondade, é amor, é fraternidade, é empatia. Pra mim, Deus está representado nessas particularidades da vida. Segundo a crença da variante de Umbanda que eu sigo, Deus teve diversas facetas pelo mundo e em diversos momentos só que as pessoas são burras demais pra reconhecer e acabam crucificando eles (só Jesus foi literalmente).

Otto Leopoldo Winck Santo Agostinho tinha muitos problemas (seu maniqueísmo, seu platonismo...) mas sintetizou este mandamento de Jesus de modo genial: "Ama e fazes o que queres..."

Jorge Luiz Fonseca Acabou consolidando a bobagem do purgatório(dizem as más línguas que para livrar a cara da mãe que era pecadora). Mas mil vezes ele do que outros. Não sabia que vc tinha feito teologia. Agora vc que estudou realmente o assunto pode elucidá-lo melhor.

Otto Leopoldo Winck Altas discussões teológicas já cedo, rs. Hoje o dia começou bem!


domingo, 21 de junho de 2015

 Devido aos acontecimentos relatados em sua obra “O 18 Brumário de Luís Bonaparte“
(1852), Marx escreve que o Estado vai se constituindo como um estranho para a sociedade,
ou seja, um organismo com suas próprias leis internas, com a sua burocracia e com a sua
estrutura, a ponto de parecer independente. O Estado encontra-se num processo de
contínua centralização burocrática, militar e policial que oprime toda a sociedade como se
fosse um corpo separado, mas ao mesmo tempo ele exprime o poder da classe dominante.
Segundo Marx somente a ditadura do proletariado poderia destruir essa máquina imensa na
qual se transformou o Estado. 

Marx acreditava que a luta de classes conduziria à ditadura do proletariado, ou seja,
o proletariado, em luta contra a burguesia e através da revolução, transformar-se-ia em
classe dominante. Esta ditadura conduziria à supressão de todas as classes, isto é, a
ditadura do proletariado tendo como objetivo a eliminação do antagonismo das classes
tende à gradual extinção do instrumento de domínio de classe que é o Estado. Dessa forma,
o Estado em que à classe dominante é o proletariado está destinado a ser o último, ou
melhor, ele é uma transição para uma sociedade sem classes.

Por fim podemos dizer que para Marx, como teórico da revolução, o Estado nasce da
sociedade, nasce das classes, é a expressão da luta de classes e da dominação de uma
delas, ou melhor, o Estado é a forma de dominação de uma classe sobre as outras. 

Diferentemente de Marx que estava preocupado com as relações sociais decorrentes
do modo de produção capitalista, numa tentativa de elaborar uma teoria sistemática da
estrutura e das transformações sociais, Weber tem como ponto de partida nos seus estudos
a ação social, a conduta humana dotada de sentidos.

O Estado racional weberiano é definido como uma comunidade humana que
pretende o monopólio do uso legitimo da força física dentro de determinado território
(WEBER, 1991). O Estado assim é a única fonte do direito de uso à violência e se constitui
numa “relação de homens dominando homens” e essa relação é mantida por meio da
violência considerada legítima. Segundo nosso autor, para que um Estado exista é
necessário que um conjunto de pessoas obedeça à autoridade alegada pelos detentores do
poder no referido Estado e por outro lado, para que os dominados obedeçam é necessário
que os detentores do poder possuam uma autoridade reconhecida como legítima. Dessa
forma, observamos que para Weber existem dois elementos essenciais que constituem o
Estado: a autoridade e a legitimidade. Desses dois elementos Weber apresenta três tipos
puros de dominação legítima, cada um deles gerando diferentes categorias de autoridade.
Esses tipos são classificados como puros porque só podem ser encontrados isolados no nível
da teoria, combinando-se quando observados em exemplos concretos. 
O primeiro deles é a dominação tradicional. Significa aquela situação em que a
obediência se dá por motivos de hábito, porque tal comportamento já faz parte dos
costumes. É a relação de dominação enraizada na cultura da sociedade. A dominação
tradicional se especifica por encontrar legitimidade na validade das ordenações e poderes de
mando herdadas pela tradição. Os que exercem a dominação estão determinados pela
tradição. Os dominados não são membros de uma associação, mas companheiros ou súditos
do senhor. Pode haver ou não quadro administrativo. As relações do quadro administrativo
(quando existe um) com o soberano não são determinadas pelo dever do cargo, mas pela
fidelidade pessoal. Não se obedece a uma ordem estatuída, mas à pessoa delegada pela
tradição. As ordens são legítimas em parte pela força da tradição, em parte pelo arbítrio do
soberano em interpretar essa tradição.

O segundo tipo de dominação é a carismática. Nela, a relação se sustenta pela crença
dos subordinados nas qualidades superiores do líder. Essas qualidades podem ser tanto dons
supostamente sobrenaturais quanto a coragem e a inteligência inigualáveis. A dominação
carismática se especifica por encontrar legitimidade no fato de que a obediência dos
dominados é uma obediência ao carisma e ao seu portador. Carisma é a qualidade
extraordinária de uma personalidade considerada sobrenatural, sobre-humana ou mágica. A
obediência é obediência ao líder enquanto portador de carisma. A administração se dá sem
qualquer quadro racional, sem regras fixas, hierarquia ou competências. Simplesmente o
chefe carismático cria ou anuncia novos mandamentos (direitos, normas, punições, etc) pela
"revelação" ou por sua vontade de organização.

O último tipo de dominação é a dominação legal, ou seja, através das leis. Nessa
situação, um grupo de indivíduos se submete a um conjunto de regras formalmente
definidas e aceitas por todos os integrantes. São essas regras que determinam ao mesmo
tempo a quem e em que medida as pessoas devem obedecer. A dominação racional-legal se
especifica por encontrar legitimidade no direito estatuído de modo racional, com pretensão
de ser respeitado pelos membros da associação. O direito racional é um conjunto abstrato
de regras a serem aplicadas em casos concretos. A administração racional supõe cuidar dos
interesses da associação, nos limites da lei. O soberano está sujeito à lei. Há uma ordem de
caráter impessoal. Quem obedece, não obedece à pessoa do soberano, mas obedece ao
direito e o faz como membro da associação. O exercício da autoridade racional depende de
um quadro administrativo hierarquizado e profissional, "separado" do poder de controle
sobre os meios de administração. A administração racional se caracteriza, tipicamente, pela
existência de uma burocracia. Correspondem ao tipo de dominação legal não apenas a estrutura moderna do Estado, mas toda organização, empresarial ou não, que disponha de
um quadro administrativo hierarquizado.

Weber como teórico da ação, não via a dominação da mesma forma que Marx como
algo inconsciente, pelo contrário ele acreditava que a dominação pudesse ser consciente,
pois, para o nosso autor, mesmo quando o homem escolhe pacificamente, ainda assim há
dominação. Na visão weberiana a dominação estará sempre presente, o que interessa é que
ela seja considerada correta, aceita e legitima. 

Para ele o Estado deveria funcionar como agente para garantir a organização
moral da sociedade e deveria atuar como centro de organização mental dos grupos
secundários, ou seja, aqueles grupos que refletiam os objetivos da coletividade (BELLAMY,
1994:169). 
Para o nosso autor os grupos secundários são de grande importância por duas razões
essenciais. A primeira delas, é que esses grupos são mais diretamente responsáveis pela
educação do indivíduo, por forjar sua identidade. A segunda razão diz respeito ao papel que
desempenham como contrapeso à força do Estado e como mediadores dos interesses mais
específicos dos indivíduos que representam. Dessa forma, os grupos secundários seriam
aqueles que equilibrariam o poder do Estado e este teria como uma de suas funções
legitimar e garantir o individualismo, ou seja, seria o Estado quem afirmaria e faria
respeitar os direitos do indivíduo. Segundo Durkheim, a nossa individualidade moral é um
produto do Estado, pois, é ele que “tende a assegurar a individuação mais completa que o
estado social permita. Longe de ser o tirano do indivíduo, ele é quem resgata o indivíduo da
sociedade” (DURKHEIM, 2002:96).

O Estado durkheimiano não seria o detentor de um poder executivo, mas sim
deliberativo. A sua principal tarefa é ser um órgão cuja responsabilidade é elaborar certas
representações que deveriam ser aprovadas pela coletividade, dessa forma, seria ele quem
deveria legislar para formular as normas e o ethos do conjunto da sociedade.

Em suma, Durkheim defende a idéia de que o indivíduo é produto da sociedade
como um todo e sua existência só se torna real mediante a atuação do Estado. Entretanto, é
somente com um equilíbrio de forças entre os grupos secundários e o Estado que o indivíduo
pode existir de fato, afinal, “é desse conflito de forças sociais que nascem as liberdades
individuais” (DURKHEIM, 2002:88). 

Estado instrumento de uma classe social. O Estado não detém poder. 
O poder de Estado é sempre o exercício de uma classe social. O Estado liberal é apenas o
uso da violência social, isto é, um aparelho de repressão e de dominação.

Já Weber faz uma análise normativa sobre o Estado. Para este clássico o Estado
moderno é a probabilidade dele possuir o monopólio legítimo da força física: Estado-coação.
Além da repressão, o Estado moderno existe como um tipo puro de dominação. Para Weber,
a dominação racional-legal, dominação burocrático-moderna, pode existir como um
mecanismo de integração dos indivíduos à ordem moderna. Ao contrário de Marx, Weber
não acreditava que o aparato burocrático do Estado pudesse ser superado pelos meios
revolucionários.

Já Durkheim considerava o Estado como representante da sociedade, sem explorar
a possibilidade deste representar apenas a elite dominante. Ao contrário de Weber,
Durkheim subordinava o Estado à sociedade. Ao contrário de Marx, Durkheim rejeitava a
idéia do desaparecimento do Estado e acreditava que na sociedade moderna haveria uma
expansão da jurisdição estatal. Além destas diferenças, Durkheim considerava que na
sociedade moderna o Estado ocuparia o lugar da Igreja, pois o considerava como principal
agente de implementação ativa dos valores do individualismo moral. Fazendo uma analogia
com os órgãos do corpo humano, Para este clássico o Estado é um órgão por excelência de disciplina moral. 
BELLAMY, Richard. Liberalismo e sociedade moderna. São Paulo: Editora da UNESP, 1994. p.
107-195
 BIRNBAUM, Norman. Interpretações conflitantes sobre a gênese do capitalismo: Marx e
Weber. In: GERTS, René E. (org). Max Weber e Karl Marx. São Paulo: Hucitec, 1994.
Capítulo IV, p. 99-119.
 DURKHEIM, Émile Davi. Lições de sociologia: a moral, o direito e o Estado. São Paulo:
Martins Fontes, 2002.

GIDDENS, Anthony. Política, sociologia e teoria social: encontros com o pensamento social
clássico e contemporâneo. São Paulo: Editora da UNESP, 1998.

MARX, Karl. Introdução a uma Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. In: Temas de
Ciências Humanas n. 2. São Paulo: Grijalbo, 1977.
MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Edições Mandacaru, 1990.

MARX, Karl. As lutas de classe na França. In: Textos. São Paulo: Alfa-Ômega, s.d. Volume
3.  
WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: Editora UNB, 1991. Volume I, capítulo I e III,
p. 3-35; 139-162. Volume II, p. 517-580.   O ESTADO E DOMINAÇÃO NOS PRESSUPOSTOS DE MARX, WEBER E DURKHEIM

Silvia Jurema Leone Quaresma*  http://www.achegas.net/numero/42/silvia_jurema_42.pdf